
Introdução
A Solenidade da Ascensão do Senhor, celebrada no 40º dia após a Páscoa (ou no domingo seguinte, conforme a disposição litúrgica local), é um dos mistérios gloriosos da fé cristã. Mais do que a simples “subida” de Jesus ao céu, ela manifesta a consumação de sua obra salvífica e inaugura a missão da Igreja no mundo.
“Subistes glorioso ao céu, ó Cristo nosso Deus, enchendo de júbilo os discípulos pela promessa do Espírito Santo e confirmando-os por vossa bênção, porque sois o Filho de Deus, o Redentor do mundo.” (Missal Bizantino).
Neste artigo, meditaremos teologicamente sobre o significado da Ascensão à luz das Escrituras, da Tradição da Igreja, dos Padres e Doutores, e de sua implicação espiritual para cada fiel.
A Ascensão na Revelação Bíblica
A Ascensão de Cristo é relatada de modo explícito em dois escritos de São Lucas: o Evangelho e os Atos dos Apóstolos. Lucas é o único autor do Novo Testamento que oferece uma narrativa direta do evento.
Lucas 24, 50-53 “Depois os levou até Betânia. Ali, erguendo as mãos, os abençoou. Enquanto os abençoava, afastou-se deles e foi levado para o céu. Eles o adoraram e voltaram a Jerusalém com grande alegria.”
Neste breve relato, destaca-se a dimensão litúrgica: Jesus abençoa, é elevado e adorado. A Ascensão não é uma separação dolorosa, mas motivo de alegria, porque revela a plenitude da vitória de Cristo.
Atos 1,6-11 “Dito isso, foi elevado à vista deles, e uma nuvem o encobriu. […] Homens da Galileia, por que estais aí parados olhando para o céu? Esse Jesus […] virá do mesmo modo como o vistes partir.”
Aqui, a narrativa é mais desenvolvida. O Ressuscitado promete o Espírito Santo, envia os discípulos à missão, e é então elevado aos céus diante deles. A “nuvem” é símbolo bíblico da presença divina (cf. Ex 13,21; Lc 9,34).
Outros testemunhos:
- João 20,17: “Subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus.”
- Efésios 1,20-23: Cristo está “à direita do Pai”, acima de todo poder.
- Colossenses 3,1: “Procurai as coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus.”
- Hebreus 9,24: Jesus “entrou no céu para apresentar-se diante de Deus em nosso favor.”
A Ascensão é, portanto, um dado revelado da fé cristã, atestado pela Tradição e proclamado no Credo Niceno-Constantinopolitano: “Subiu aos céus e está sentado à direita do Pai.”
Dimensões Teológicas da Ascensão
A Glorificação da Humanidade em Cristo
A Ascensão é a glorificação da humanidade de Jesus. A carne assumida pelo Verbo (Jo 1,14) não é descartada, mas levada à glória. Isso tem um profundo valor antropológico: a natureza humana, em Cristo, já participa da vida trinitária.
Como ensina São Leão Magno: “Hoje, não só tomamos posse do paraíso, mas também subimos com Cristo às alturas dos céus.” (Sermão sobre a Ascensão, 1)
O Reinado de Cristo
A Ascensão é a entronização de Cristo como Senhor do universo (cf. Sl 110,1; Mt 28,18). Aquele que foi humilhado até a cruz é agora exaltado à direita do Pai (cf. Fl 2,6-11).
Essa exaltação implica autoridade, não ausente, mas ativa. Cristo reina presente na história, embora escondido nos sinais sacramentais e na ação da Igreja.
A Nova Forma da Presença de Cristo
A Ascensão não significa ausência, mas transformação da presença de Jesus. Ele não está mais visivelmente entre nós, mas age por meio do Espírito Santo, dos sacramentos, da Igreja, da Palavra e do testemunho dos fiéis.
A promessa “Eis que estou convosco todos os dias” (Mt 28,20) se cumpre através de uma presença mais profunda e espiritual.
Início da Missão da Igreja
Antes de subir, Jesus envia seus discípulos ao mundo: “Sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria, até os confins da terra” (At 1,8).
A missão apostólica começa com a Ascensão e é sustentada pelo Espírito Santo que será derramado em Pentecostes. A Igreja vive entre a Ascensão e a Parusia, em atitude de missão, vigilância e esperança.
A Dimensão Escatológica da Ascensão
O anjo que fala aos discípulos em Atos 1,11 liga a Ascensão à Segunda Vinda: “Esse Jesus voltará.”
Cristo voltará “como o vistes subir”. A Ascensão, portanto, é o penhor da Parusia. A história está orientada para a plenitude do Reino.
Vivemos no “já” da redenção realizada e no “ainda não” de sua manifestação definitiva. Essa tensão escatológica anima a vida cristã com esperança.
A Ascensão na Liturgia da Igreja
A Liturgia celebra a Ascensão como motivo de júbilo e esperança. No Prefácio da Ascensão I (Missal Latino), rezamos: “Ele se manifestou, após a ressurreição, a todos os seus discípulos e, à vista deles, foi elevado ao céu, para nos tornar participantes da sua divindade.”
As orações da missa sublinham que a glorificação de Cristo é já a nossa vitória. A Igreja, unida à sua Cabeça, é chamada a elevar-se também, com a vida santa e o anúncio do Evangelho.
O tempo entre a Ascensão e Pentecostes é, na espiritualidade litúrgica, um tempo de espera e preparação para a efusão do Espírito, vivido com Maria e os apóstolos no “cenáculo”.
Implicações Espirituais e Pastorais
Viver “com os olhos no céu e os pés na terra”
O cristão é chamado a buscar as “coisas do alto” (Cl 3,1), sem alienar-se das realidades terrestres. A Ascensão nos convida à santidade no cotidiano, com os olhos na eternidade e o coração no serviço.
Superar a tentação da imobilidade
Os discípulos ficaram olhando para o céu. O anjo os interpela: “Por que estais aí parados?” A Igreja não pode ficar estagnada, contemplando o passado ou a glória futura. Deve evangelizar com coragem, animada pela certeza da presença de Cristo.
Cultivar a esperança cristã
A Ascensão ensina que nosso destino é o céu. Cristo não abandonou a terra, mas a uniu ao céu. Assim, o sofrimento presente é passageiro, e a glória futura é certa para os que perseveram na fé.
Conclusão
A Solenidade da Ascensão do Senhor é um mistério pascal que ilumina toda a vida cristã. Nela contemplamos o Cristo Ressuscitado que reina glorioso, intercede por nós, sustenta a missão da Igreja e nos prepara um lugar na casa do Pai (cf. Jo 14,2-3).
Celebrar a Ascensão é renovar nossa fé na vitória de Cristo, nossa esperança na vida eterna e nosso compromisso com o Evangelho. Unidos ao Senhor exaltado, caminhamos na terra com os olhos voltados para o alto, aguardando, com alegria, o dia em que Ele voltará.
“Dele, por ele e para ele são todas as coisas. A ele a glória por toda a eternidade! Amém.” (Romanos 11, 36).
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