Por D. George Khoury
A Quaresma é um dos períodos mais significativos no calendário litúrgico católico. Durante 40 dias, os fiéis são chamados a viver um tempo de penitência, oração, jejum e caridade, com o objetivo de se prepararem espiritualmente para a celebração da Páscoa. Este tempo de preparação tem raízes profundas tanto na Sagrada Escritura quanto nas tradições da Igreja Católica Oriental e Ocidental. Ao longo da história, a Quaresma foi vista como um caminho de conversão, renovação e intimidade com Deus, sendo enriquecida por ensinamentos teológicos que abordam a natureza da penitência, a busca pela santidade e a preparação para a Ressurreição de Cristo.
A Quaresma na Sagrada Escritura
A Quaresma é frequentemente associada ao jejum de 40 dias de Jesus no deserto, que aparece em vários Evangelhos. Em Mateus 4,1-2, lemos: “Então, Jesus foi levado pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo. Depois de jejuar quarenta dias e quarenta noites, teve fome”. O número 40, presente na Bíblia, é um número simbólico que representa um período de preparação e purificação, sendo usado para descrever momentos de prova e renovação na vida do povo de Deus, como os 40 anos que os israelitas passaram no deserto (Êxodo 16,35) e os 40 dias de Moisés no Monte Sinai (Êxodo 34,28).
A Quaresma, portanto, é uma imitação do retiro de Jesus no deserto, onde Ele se preparou para iniciar sua missão pública. Este tempo de jejum e oração é um momento em que os cristãos se retiram das distrações do mundo para buscar mais intensamente a presença de Deus. O jejum e a oração, que são elementos essenciais da Quaresma, não têm como objetivo uma mera prática ascética, mas são meios para purificar o coração e aproximar-se mais de Deus.
Em Lucas 4,13, também lemos que, após a tentação no deserto, “quando o diabo acabou toda a tentação, afastou-se dele por algum tempo”. Isto sugere que a Quaresma é uma oportunidade para resistir às tentações, praticando a virtude e fortalecendo nossa fidelidade a Deus, como Jesus fez ao vencer as tentações no deserto.
Além disso, a Quaresma está profundamente ligada à temática do arrependimento e da conversão, que é um dos principais chamados de Jesus em sua missão terrena. Em Marcos 1,15, Jesus proclamou: “O tempo é chegado, e o Reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no evangelho”. A Quaresma é, assim, um tempo para viver esse arrependimento, ou seja, uma mudança interior que nos leva a afastar-nos do pecado e a nos voltar para Deus.
A Quaresma na Tradição Católica Oriental
A Igreja Católica Oriental, representada por suas várias tradições litúrgicas (como a bizantina, a alexandrina, a antioquena, entre outras), tem uma abordagem profundamente rica e teológica sobre a Quaresma. Embora o período de Quaresma nas Igrejas Orientais também dure 40 dias, o jejum e as práticas litúrgicas podem ser mais austeros em comparação com a tradição ocidental.
Na liturgia bizantina, por exemplo, a Quaresma é vista como um “tempo de cura espiritual”. O grande jejum (que começa com a segunda-feira limpa, precedendo a Quarta-feira de Cinzas) é entendido como um processo de purificação do corpo e da alma, um “novo êxodo” onde o cristão é convidado a se libertar das paixões e do egoísmo, a fim de se unir mais plenamente a Cristo. A oração de São Efrem, recitada diariamente durante a Quaresma, invoca o Espírito Santo para purificar a alma e conduzir os fiéis a uma verdadeira conversão: “Ó Senhor e Mestre da minha vida, afasta de mim o espírito de preguiça, de desânimo, de ambição vã e de fofoquice. Mas dá-me, ao teu servo, o espírito de pureza, de humildade, de paciência e de caridade.”
A Tradição Oriental enfatiza também o papel da oração e da caridade como expressões essenciais do jejum. O jejum não é apenas uma abstenção de alimentos, mas uma prática holística que envolve corpo, mente e espírito. Assim, a Quaresma é vista como um tempo de “unidade com Cristo” através da oração, do jejum e da esmola, que purificam e transformam o cristão para a vida nova que é dada pela ressurreição.
A Quaresma na Tradição Católica Ocidental
Na Igreja Católica Ocidental, a Quaresma é um tempo de conversão pessoal, e o jejum é visto como uma forma de disciplinar os desejos carnais e renovar a relação com Deus. Em documentos como a Constituição sobre a Liturgia Sacrosanctum Concilium do Concílio Vaticano II, é enfatizado que a Quaresma deve ser vivida de maneira autêntica, com a participação ativa dos fiéis na liturgia, especialmente na celebração da Eucaristia.
O Papa Bento XVI, em sua carta “Pós-Sinodal Exhortação Apostólica Sacramentum Caritatis”, lembra que a Quaresma deve ser um tempo de purificação, em que a Igreja se volta para os “fundamentos da fé”, para a oração e para a caridade. A vivência do jejum e da penitência é uma oportunidade para os cristãos aprofundarem sua união com Cristo, especialmente durante a celebração dos mistérios da sua Paixão, Morte e Ressurreição.
Em Matheus 6,16-18, Jesus ensina a não fazer do jejum uma exibição pública, mas um gesto interno, de coração sincero. A Igreja ocidental, portanto, propõe que, além do jejum, os cristãos se dediquem a práticas de oração mais intensas e à ajuda aos necessitados, como uma forma de viver o mandamento de Cristo de amar ao próximo (Mateus 22,37-39).
A Quaresma como Tempo de Crescimento Espiritual
A Quaresma não é apenas uma penitência exterior, mas uma jornada interior que nos leva à santificação. A Igreja Católica, tanto na tradição oriental quanto na ocidental, ensina que a Quaresma é um tempo de purificação do coração, de crescimento na fé e de preparação para a celebração da Páscoa. É um tempo para os fiéis se reconciliarem com Deus e com os outros, abrindo o coração para o perdão e para a misericórdia divina.
A Quaresma é, assim, uma oportunidade para cada cristão se unir mais intimamente a Cristo, experimentando em sua própria vida a morte para o pecado e a ressurreição para uma vida nova em Cristo, conforme o ensino de São Paulo em Romanos 6,4: “Portanto, fomos sepultados com ele na morte pelo batismo, para que, assim como Cristo foi ressuscitado dos mortos pela glória do Pai, também nós andemos em novidade de vida”.
Conclusão
A Quaresma é um tempo de renovação espiritual, profundamente enraizado nas Escrituras e nas Tradições da Igreja Católica, tanto Oriental quanto Ocidental. Ao longo de 40 dias, os cristãos são chamados a uma conversão radical, a imitar Cristo em seu jejum e oração no deserto, e a buscar uma vida mais próxima de Deus, por meio da penitência, oração e caridade. Este tempo de preparação não é apenas uma prática ascética, mas um verdadeiro caminho de crescimento espiritual, onde, como Igreja, nos preparamos para celebrar a Páscoa, a maior vitória de Cristo sobre o pecado e a morte.
Deixe um comentário