Texto de D. George Khoury
O Concílio Vaticano II, realizado de 1962 a 1965, foi um evento transformador para a Igreja Católica, trazendo uma nova ênfase na Igreja como povo de Deus, o papel da liturgia e a relação com o mundo moderno. Dentro desse contexto, um dos temas que recebeu grande atenção foi a Mariologia, ou seja, o estudo teológico sobre a Virgem Maria. A posição de Maria na vida da Igreja foi profundamente abordada, especialmente no documento Lumen Gentium, que apresenta a Mariologia de maneira teológica e pastoral, destacando sua importância como modelo de fé, santidade e como Mãe da Igreja.
O Papel de Maria na História da Salvação
A Mariologia no Concílio Vaticano II não pode ser entendida fora do contexto mais amplo do mistério da salvação. O Concílio destacou Maria como a “Mãe do Salvador” e como a figura que, ao aceitar a vontade de Deus, participa de forma única e especial no plano da redenção. O Lumen Gentium começa afirmando que “Maria, Mãe de Cristo, Mãe da Igreja” (LG 61) e que sua participação no mistério de Cristo é exemplar e única.
A base bíblica dessa visão encontra-se principalmente no Evangelho de Lucas, quando o anjo Gabriel anuncia a Maria que ela será a mãe do Salvador: “O Espírito Santo virá sobre ti, e a força do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra; por isso, também o ente santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus” (Lc 1,35). Maria, em seu “sim” ao anjo, torna-se, portanto, a mãe do Redentor, consagrando-se como modelo de fé e obediência à vontade de Deus.
A partir dessa aceitação de Maria, ela se torna uma participante ativa no plano divino. O Concílio Vaticano II reconhece essa colaboração de Maria de forma teológica, afirmando que, “por sua maternidade divina, Maria cooperou de modo totalmente singular na obra do Salvador” (LG 61). O papel de Maria, portanto, não é meramente passivo, mas um “sim” ativo e cooperador no plano salvífico.
Maria como Modelo da Igreja
O Lumen Gentium vai além de apresentar Maria apenas como a Mãe de Jesus. A Igreja a reconhece como “modelo” e “imagem” do que a Igreja deve ser. A Igreja é, em certo sentido, “figura” de Maria. No capítulo 8 de Lumen Gentium, Maria é descrita como a “imagem da Igreja” (LG 63). Isso significa que a Igreja é chamada a imitar a fé, a humildade e a obediência de Maria ao plano de Deus.
Este modelo se reflete na vida da Igreja no sentido de que, assim como Maria, a Igreja é chamada a ser “fiel”, “obediente” e “disposta a cumprir a vontade de Deus em todas as suas circunstâncias” (cf. Lc 1,38: “Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra”). A fé de Maria é considerada a fé da Igreja, e a obediência de Maria é a obediência da Igreja, que deve, como Maria, aceitar o mistério de Deus na vida cotidiana.
No Novo Testamento, encontramos outra passagem que reforça o caráter exemplar de Maria, especialmente em relação à Igreja. Quando, em João 19, Jesus, ao ser crucificado, diz a João: “Eis aí a tua mãe”, Ele a entrega à Igreja, representada por João. Isso é uma demonstração de que Maria, após a ascensão de Cristo, se torna, de certa forma, a mãe espiritual dos cristãos. O Concílio Vaticano II reflete sobre este momento, afirmando que Maria é a “Mãe da Igreja”, cuidando da Igreja com sua intercessão e proteção, como ela cuidou do próprio Cristo.
A Imaculada Conceição e a Assunção: Reflexões Mariológicas no Concílio
Embora o Concílio Vaticano II não tenha definido dogmas diretamente, ele fez importante referência aos dogmas marianos, como a Imaculada Conceição e a Assunção. Ambos os dogmas, já definidos anteriormente pela Igreja, são profundamente enraizados na compreensão da Igreja sobre o papel único de Maria na obra da salvação.
O dogma da Imaculada Conceição, definido em 1854 por Pio IX, afirma que Maria foi preservada do pecado original desde o momento de sua concepção. Isso a tornou “plena de graça”, como afirma o anjo Gabriel em Lucas 1,28: “Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo”. O Concílio Vaticano II reconhece essa graça singular de Maria, que, por ser “cheia de graça”, é totalmente livre do pecado e, portanto, apta para ser a Mãe do Salvador. Sua pureza e santidade a tornam modelo de toda a Igreja, chamada a crescer na graça de Deus.
Em relação ao dogma da Assunção, definido em 1950 por Pio XII, que declara que Maria foi elevada ao céu em corpo e alma, o Concílio Vaticano II também reflete sobre a importância dessa realidade. Maria, ao ser “assumida” para a glória celestial, é apresentada como sinal de esperança para todos os cristãos. A sua Assunção antecipa o que acontecerá com a Igreja no final dos tempos, quando todos os fiéis serão ressuscitados para a vida eterna.
Conclusão: Maria, Mãe e Modelo para a Igreja
A Mariologia do Concílio Vaticano II, especialmente por meio do Lumen Gentium, enfatiza o papel de Maria como Mãe do Salvador, Mãe da Igreja e modelo de fé e obediência para todos os cristãos. Ela é uma figura central no plano de salvação, e sua vida e virtudes devem ser imitadas para que a Igreja, como Corpo de Cristo, viva com fidelidade ao Evangelho.
A Igreja reconhece que Maria não é apenas uma personagem do passado, mas uma presença viva no presente, intercedendo por nós e nos guiando no caminho da fé. Como Mãe espiritual, ela é um modelo de união com Cristo e um farol de esperança para todos os fiéis. O Concílio Vaticano II, ao colocar Maria no centro da vida e missão da Igreja, recorda aos cristãos que, como Maria, devemos também dizer “sim” à vontade de Deus, confiando sempre na graça divina que nos sustenta.
Referências Bibliográficas:
- Lumen Gentium – Concílio Vaticano II.
- Bíblia Sagrada, Lucas 1,35; João 19,26-27.
- Catecismo da Igreja Católica (CIC), §§ 963-975.
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