Os Papas e as Igrejas Orientais

O Livro de Tombo da Paróquia São Basílio (Rio de Janeiro, década de 40) atesta como os Sucessores de Pedro vinham se pronunciando quanto à relação entre Roma e as Igrejas Orientais, ao mesmo tempo que a ratificam (a partir da página 48):

“Neste dia festivo da criação da Paróquia de S. Basílio vale a pena recordar as palavras do grande amigo do Oriente, o Papa Leão XIII na sua imortal Encíclica Orientalium Dignitas de 1894: “A conservação dos ritos orientais tem mais importância do que se poderia pensar. A augusta antiguidade que enobrece estes diversos ritos e o adorno de toda a Igreja afirma a Divina Unidade da Fé Católica. Manifestam mais claramente as principais Igrejas do Oriente, sua origem Apostólica e põe, ao mesmo tempo, à luz, sua união íntima, desde o princípio do Cristianismo, com a Igreja Romana. Nada, pois, ensina talvez melhor a nota da catolicidade da Igreja de Deus do que a homenagem singular destas cerimônias, de formas diferentes, celebradas em línguas veneráveis pela sua Antiguidade, consagradas ainda mais pelo uso que delas fizeram os apóstolos e os Padres da Igreja”.

Admirável é a palavra de Sua Santidade Bento XV proclamando que “A Igreja de Cristo não é latina, nem grega, nem eslava, Ela é Católica: todos seus filhos são iguais diante dela, sejam latinos, bizantinos, eslavos ou de qualquer outra nação; todos ocupam o mesmo lugar diante da Sede Apostólica”. E o Papa Pio XII salienta “As Igrejas Orientais, célebres pelas doutrinas dos Santos Padres e banhadas pelos sangues dos mártires nos tempos mais antigos, nas eras mais recentes e até mesmo na nossa, foram sempre, de um modo muito especial, o objeto das Nossas Solicitudes. Aqui, junto da Sé de Pedro, foi constituída uma Sagrada Congregação com o fim especialmente de regular os interesses e os ritos das Igrejas Orientais, como também foi fundado um Instituto para os Estudos Orientais com a finalidade de cultivar e formar com todo zelo o justo reconhecimento das vossas questões”.

É notável perceber, à exemplo da Igreja Melquita em nível sinodal, como a nossa comunidade melquita cresceu em máxima filiação aos Chefes da Igreja Universal, sem deixar de lado seu patrimônio oriental, até porque mais se externou sua fidelidade aos Papas quando estes, a partir da solicitude petrina, demonstraram reconhecimento às veneráveis tradições do Oriente. Consideraram que eram um bem para toda a Igreja e que por ela toda deviam ser conhecidas. E, dessa forma, confirmaram a missão dos orientais de serem sustentadores vivos de um tesouro ancestral, para seu próprio crescimento e o de todos. Como diz o Decreto Unitatis Redintegratio (15):

“Também é conhecido de todos com quanto amor os cristãos orientais realizam as cerimônias litúrgicas, principalmente a celebração eucarística, fonte da vida da Igreja e penhor da glória futura, pela qual os fiéis unidos ao Bispo, tendo acesso a Deus Pai mediante o Filho, o Verbo encarnado, morto e glorificado, na efusão do Espírito Santo, conseguem a comunhão com a Santíssima Trindade, feitos «participantes da natureza divina» (2 Ped. 1,4). Por isso, pela celebração da Eucaristia do Senhor, em cada uma dessas Igrejas, a Igreja de Deus é edificada e cresce (26), e pela concelebração se manifesta a comunhão entre elas.”

A intercomunhão entre Roma e a Igreja Melquita é prova viva de que se é possível viver a espiritualidade oriental seguindo os passos do Sucessor de Pedro.

Aos pastores da Igreja Latina, São João Paulo II (memória eterna!) proferiu essas distintas palavras, em seu discurso aos participantes da assembleia da Congregação das Igrejas Orientais (Carta aos Bispos da Índia, 28 de Maio de 1987, n. 5 c):

“Os Pastores da Igreja latina, com efeito, são convidados antes de tudo a aprofundar o próprio conhecimento acerca da existência e do patrimônio das Igrejas Orientais Católicas e a favorecer o dos fiéis confiados aos seus cuidados. Em segundo lugar, são chamados a tornar-se promotores e defensores do direito dos fiéis orientais a viverem e orarem segundo a tradição recebida dos Padres na própria Igreja.

Acerca do cuidado pastoral dos fiéis dos Ritos orientais que vivem em Dioceses de Rito latino, segundo o espírito e a letra dos Decretos conciliares Christus Dominus, 23, 3 e Orientalium ecclesiarum, 4, os Ordinários latinos dessas Dioceses devem assegurar, quanto antes, um adequado cuidado pastoral dos fiéis de Rito oriental, através do ministério de sacerdotes ou mediante paróquias do Rito, onde isto for oportuno, ou por obra de um Vigário episcopal.”

O Santo Padre esteve sempre atento também à nossa sensibilidade oriental nas liturgias que celebrou conosco, sempre concelebrando em nossos ritos, jamais nos impondo algo estrangeiro.

Dando voz novamente à Sua Santidade João Paulo II, entremos em sincronia com os sentimentos de Pedro, para o bem dos fiéis greco-católicos melquitas, sejam de origem ou sejam por “adoção”, e o dos demais orientais:

“Várias vezes foi reafirmado que a já realizada união plena das Igrejas Orientais Católicas com a Igreja de Roma não deve comportar para elas uma diminuição na consciência da própria autenticidade e originalidade. No caso de isto se ter verificado, o Concílio Vaticano II exortou-as a redescobrir plenamente a sua identidade, tendo elas «o direito e o dever de se regerem segundo as próprias disciplinas peculiares, enquanto se recomendam por veneranda antiguidade, são mais conformes aos costumes dos seus fiéis e resultam mais aptas a buscar o bem das almas.

Estas Igrejas trazem na sua carne uma dilaceração dramática, porque é ainda impedida uma comunhão total com as Igrejas Orientais Ortodoxas, com as quais, contudo, partilham o patrimônio dos seus pais. Uma conversão constante e comum é indispensável, para que elas procedam decididamente e com desassombro para a compreensão recíproca.

E conversão é pedida também à Igreja Latina, para que respeite e valorize plenamente a dignidade dos Orientais, e acolha com gratidão os tesouros espirituais de que as Igrejas Orientais são portadoras para proveito da inteira comunhão católica; mostre concretamente, muito mais do que no passado, quanto estima e admira o Oriente cristão e quanto considera essencial o seu contributo para que seja vivida plenamente a universalidade da Igreja” – Carta Apostólica Orientale Lumen, 21.

Texto de Philippe Gebara

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